26 dezembro 2007

ENTUSIASMO OPOSICIONISTA

A derrota do governo no senado, que resultou na impossibilidade de renovar a vigência da CPMF, foi o grande assunto nacional das últimas semanas.

O episódio revelou enorme fragilidade do governo, quando se trata de obter aprovação dos parlamentares para ações de governo consideradas imprescindíveis para o sucesso das suas políticas.

É positiva a constatação de que os poderes exercem de forma equilibrada suas atribuições, eliminando a hipótese de que os governantes imponham suas decisões sem contraditório.

Entretanto, a percepção legítima da sociedade é que o governo foi derrotado para que tenha dificuldades em obter recursos para operar os seus programas, com o objetivo de desgastá-lo politicamente.

O modus operandi da ação oposicionista, contando com o poder de articulação e convencimento do Ex-presidente de República, acompanhado de declarações excessivamente entusiasmadas após o resultado da votação, auto-denunciaram a falta de rigor técnico e interesse público ali empregados.

A manutenção ou não da CPMF – um imposto de fácil cobrança, de massa tributária abrangente e de difícil sonegação – deveria ser discutida em paralelo a construção de um novo modelo tributário, que desonerasse produção e emprego, e tivesse a ousadia de descomplicar o arcabouço normativo do modelo atual.

Explicações desencontradas dos líderes governistas ora apontam conseqüências catastróficas da repentina diminuição de recursos, como corte de investimentos, veto aos aumentos de salário do funcionalismo e aumento dos juros para captação de reais pelo tesouro, ora minimizam os efeitos, desqualificando as comemorações dos adversários.

Natural que o governo apresse-se em acalmar os mercados investidores, desprezando qualquer sugestão de vulnerabilidade das contas públicas, procurando manter os elevados níveis de confiança internacional que foram construídos nos últimos anos.

Além disso, os bilhões não arrecadados futuramente, de alguma forma estarão em grande parte, disponíveis para o consumo, gerando novos empregos e impostos.

A lamentar, a constatação de que as contendas partidárias e os interesses particulares ditam o rumo das decisões mais importantes do país, e que a representação parlamentar da sociedade careça de atitude comprometida com o presente e o futuro do país.

03 novembro 2007

EXISTÊNCIA URBANA

Os carros trafegam apressados, como se alguma velocidade a mais fosse fazer diferença em meio aos obstáculos que ainda teriam que ser superados para a chegada ao destino: o local de trabalho desses entusiasmados motoristas, ansiosos por ultrapassar seus concorrentes, seus pares nessa corrida urbana mal organizada e sem podium no final.

Os movimentos são bruscos, as sinalizações ignoradas, a educação coletiva evolui de modo bem mais lento, sufocada pelo desejo de vingança dos ultrapassados, pela ansiedade dos que se arrogam vencedores desse trágico esporte.

No alto das laterais das vias, já não se lêem mais as placas de publicidades coloridas de outrora, desapareceram os painéis luminosos, ficaram as paredes dos prédios, escuras, expostas, pixações à mostra...

Nenhum vendaval ou acidente da natureza, senão a criatividade dos poderes públicos, ávidos em implantar mudanças nas paisagens, em marcar presença na memória das pessoas, em desfazer o que está feito para reinventar o que ficará por fazer.

Ao largo das avenidas, concentrados nos semáforos, ocupantes de um espaço desvalorizado, sem lugar para engendrar arquiteturas. Feito um pit stop de fórmula um, aproximam-se dos carros, vendem, pedem, limpam, fazem malabarismos, assustam, assaltam, sob olhares ansiosos dos pilotos, digo, motoristas.

Reaparece a luz verde, retornam à esquina, desviando das arrancadas instantâneas, desafiando perigos repetidos a cada pausa de trinta segundos.

No interior dos “cockpit” muitos permanecem alheios à sorte de outrem, que apostam sua sobrevivência nessa hostil intermitência de tráfego. Outros se penalizam, mas seguem adiante, conformando-se com a miséria, em angustioso desafio à indiferença generalizada.

O convívio com essa realidade acompanha o trajeto por alguns segundos. Reflexões superficiais nos fazem despertar a humanidade interior escondida. Em instantes, a consciência das aspirações imediatas nos conduz de volta a normalidade individualista.

Também a postos para a largada estão os ônibus, quase sempre lotados de esforçados combatentes de um esporte radicalmente afeito às metrópoles: desembarcar ileso e íntegro no destino programado.

As regras para os ônibus ora são privilegiadas com faixas exclusivas, ora são dificultadas por um sistema que beneficia o automóvel particular. Os motoristas expostos a enormes jornadas de trabalho enfrentam com vigor as barreiras inumeráveis de uma rotina de passageiros, tráfego intenso, dias que não terminam nunca.

Não ficam atrás os trens metropolitanos e os metrôs, escondidos, sob o solo, ou segregados por trilhos e muros, em rotas próprias, entupidos, superlotados, em ofensiva situação de desconforto.

Os dias já nascem cobertos de neblina, ou de densa poluição. O sol esconde-se na espessura de nuvens intrusas ou de gases insistentes em atingir a fragilidade das nossas vias, as respiratórias, é claro.

Em lugares diferentes percebemos que o Sol não nasce para todos. Ele desafia os prognósticos ambientais e descobre algumas fendas para enviar seus raios desfigurados, mas comemorados alegremente por quem já não os vê com freqüência.

Tem gente que gosta dessa sombria atmosfera, e se realiza no vai e vem das pessoas e dos veículos, do sol e da chuva, do dia e da noite, da neblina e da fumaça.

Tem gente que protesta, que desafia, que se ilude com as mudanças, que se revigora com a esperança, que se distingue da maioria.

Muitos seguem a multidão, brincam quando podem, pensam quando querem, sentem quando calam.

O dia promete ser longo, tarefas, problemas, clientes, mais tarefas, mais problemas, mais clientes...

Os indivíduos vão se encaixando nas turmas, reunindo grupos, formando equipes, dividindo aspirações coletivas, somando esforços pessoais, segregando ambientes familiares, inventando o seu novo mundo do dia presente.

O trabalho parece ser a razão da existência, ou o motor das energias humanas colocadas em ação, na soma dos indivíduos que formam a sociedade.

Mas cada um não percebe o quanto sua contribuição para o todo foi importante.

Também não percebemos que aquele “pit stop” das esquinas da metrópole reflete o nosso isolamento das verdades indigestas.

Assimilamos as nossas dificuldades cotidianas e revelamos nossa tolerância ao abismo que separa realidades inconfundívelmente avessas.

Seguimos para um futuro desejado e acreditamos em amanhãs melhores, sem a indispensável construção do caminho que os tornarão possíveis.

Invertemos hábitos sociáveis e simples para alimentarmos a linha divisória que nos protege da miséria assustadora dos que labutam por mínima e hostil sobrevivência.

Inventamos uma cidade alheia às suas patologias urbanas, indiferente à agressividade estética das periferias, fortificada por suas intransponíveis linguagens para os que não falam o idioma culto dos afortunados.

No fim do dia, repete-se o caos invertido, o regresso cansativo dos caminhos congestionados e dos veículos desgovernados.

Voltamos para as futilidades domésticas, assistimos aos telejornais que repetem as mesmas cenas de sempre, recheadas de cumplicidade midiática, de sensacionalismos mórbidos.

Habituamos a incorporar sensações de personagens irreais, assumimos como nossos os seus desejos e pontos de vistas, e desligamos a tela da vida em troca da fantasia extasiada das belezas de existências artificiais.

E nos revigoramos sempre para enfrentar a caminhada persistente em busca das nossas nem sempre reveladas aspirações pessoais.

Seguimos com nossas certezas e forças, desafiando experiências adversas e superando barreiras de difícil ultrapassagem.

Nossa consciência pavimenta uma longa estrada, que vai sendo desenhada pelas adversidades, pelas experiências, pelas pessoas que nos acompanham, pelos que nos ensinam, pelos que nos atrapalham...

Viver é para todos. Crescer é para os que querem marcar a existência por sua própria personalidade, por uma contribuição a essa universal singularidade sobre o que é ser humano.

E a minha humanidade é parte de toda a humanidade. Nem mais, nem menos.

28 outubro 2007

MUNDO CORPORATIVO


O mundo corporativo é uma criação da sociedade moderna.

Externo ao mundo real, o mundo corporativo tem leis próprias que não são escritas, valores que não estão explícitos, lugares que não se conhece.

No mundo corporativo as pessoas estão expostas a reações surpreendentes, a ilações desconectadas com a realidade dos fatos, a emoções atípicas para despojamentos raros.

Bondades são obscurecidas pelas entranhas burocráticas, crueldades são revestidas de “razões estratégicas”, relacionamentos são instrumentalizados para ambições mesquinhas.

Adultos carecem de maturidade na convivência com superiores, que se embriagam na acidez de solitárias decisões.

Concepções e princípios são superados pela ansiedade monetária e pela imediaticidade das quantidades.

Integridade e humanidade padecem sob a rigidez das prioridades e sob o império da impessoalidade.

Sobreviver no mundo corporativo requer força pessoal abundante, que se exprime na liberdade de pensar, na iniciativa de fazer e na nobreza de transigir.

São fortes os que deixam prevalecer sua condição humana, desafiando a sedução dos aplausos e manipulações das aparências.

E constroem para si e para os que os rodeiam uma nova atmosfera de convivência ética que por si só inspira resultados sustentáveis.

A possibilidade da existência no mundo real e no mundo corporativo, abolindo os papéis superficiais e revelando a personalidade íntegra, é um caminho para o fim das esquizofrenias contemporâneas, que transformam os ambientes de trabalho em pesados fardos.

Então esse mundo paralelo estará superado por uma realidade promissora em que ética, humanidade e desenvolvimento econômico prosperarão unidos.

08 outubro 2007

PRÁTICAS E ANTÍDOTOS

Multiplicam-se as denúncias das revistas semanais sobre as irregularidades cometidas pelos personagens mais influentes da cena política do país.

Na obsessão desmedida pelo poder, a ética e a responsabilidade social são despudoradamente relegadas a segundo plano, dando vez ao exercício da vingança pessoal, do loteamento partidário dos cargos públicos, da utilização privilegiada da máquina estatal, da negação da honradez republicana.

A prática corrente da distribuição de funções de confiança em troca de posicionamento favorável nas votações legislativas desvirtua as atribuições do Congresso, e instala um mercado sombrio de decisões institucionais alheias à sociedade.

O péssimo hábito de se minimizar os crimes de natureza eleitoral sob o pretexto da subjetividade da atividade política desacreditam as agremiações e seus representantes, desestimulando o exercício dos direitos democráticos.

Não deixa de ser emblemático que dois políticos acima das suspeitas convencionais tenham sido afastados por seus pares da Comissão de Constituição e Justiça quando realizavam sua tarefa com dedicação inarredável ao caminho da verdade e da legalidade, independentemente das opções partidárias.

O episódio estampa as práticas vergonhosas - exceções à parte - que corroem o sistema político vigente transformando-o numa feira de negócios inescrupulosos e descompromissados com os interesses da população.

Rompendo o ciclo de percepções negativas, decisão recente do Supremo Tribunal Federal consolidando a fidelidade partidária aponta na direção de um melhor aproveitamento do voto do eleitor.

Longe de significar o ápice das expectativas de uma ampla reforma política, é uma notícia promissora, levando-se em conta os costumes locais, em que a ideologia partidária desaparece diante dos interesses pessoais e corporativos.

O voto é instrumento democrático importante, mas precisa ser acompanhado de significativa transformação das relações sociais, em que os valores humanos permanentes se sobreponham ao lucro fácil, às vantagens imediatas, aos comportamentos que alimentam as desigualdades.

O antídoto para tamanho desperdício institucional é o senso de responsabilidade social que deve haver em cada um de nós, no exemplo das atitudes cotidianas, na formação das novas gerações, no compromisso com a comunidade, com o país e com o meio ambiente.

24 setembro 2007

ATENDER E CONVIVER


As pessoas que solicitam nossa atenção no dia a dia são portadoras de uma quantidade de desejos, relações pessoais, aspirações e concepções.

Cada um de nós, ora está no seu horário de trabalho atendendo a um cliente, ora está numa repartição, numa loja ou qualquer outro estabelecimento como o cliente, o usuário, o próximo da fila.

Quando estamos do lado de lá pensamos nas diversas razões que transformaram nosso tempo em refém de terceiros, alheios aos nossos problemas e solicitações.

Gostaríamos que nos apresentassem algo mais do que um “mais alguma coisa?”, que não tem outro significado senão o de encerrar o contato para dar lugar ao cliente seguinte.

Se vamos frequentemente aos mesmos lugares, e neles os problemas se repetem, porque não são resolvidos? Será que ninguém pensou nisso, ou deveríamos reclamar formalmente?

Do nosso ponto de vista, o que temos para resolver é o mais urgente, o mais importante. Ou alguém que retira uma senha ou entra numa fila pergunta se os outros que ficaram para trás tem necessidades prioritárias?

Ainda assim esperamos ser tratados com distinção única, porque não somos iguais ao outros, somos especiais, e o nosso atendimento requer uma explicação singular, adequada para o nosso caso.

Acreditamos naquilo que experimentamos com sucesso, e voltamos com convicção, perdoando detalhes negativos, se o principal estiver satisfeito.

Por essas razões, e para não criarmos falsas expectativas, vamos experimentar isso do lado de cá.

Quando atendemos os outros empenhamos nossos esforços nisso, ou colocamos diversos obstáculos que transmitem desprezo e indiferença?

Identificamos as pessoas como elas são, como elas se apresentam, ou as tratamos como parte de uma fila, de um público?

Interpretamos as críticas como mensagem de quem deseja nossa qualificação ou criamos resistência preconceituosa?

Concluímos nosso atendimento com expressões que reafirmam o que ficou acordado e nosso agradecimento por nos terem escolhido?

Trabalhar para pessoas requer talento e humildade, força e generosidade, energia e criatividade. É a conseqüência natural de sermos humanos, e vivermos encontrando pessoas todos os dias, todas as horas, o tempo todo.

Alguém imagina ser possível viver de outra forma?

25 agosto 2007

OS OUTROS


Uma das aspirações coletivas mais pronunciadas dos últimos tempos é a chamada “busca dos culpados” e a “punição dos responsáveis”.

Excluímos a nós mesmos, e concluímos que “os outros” são os potenciais protagonistas das mazelas, das falcatruas, das imoralidades, da falta de civilidade, da arrogância.

“Os outros” educaram seus filhos para disputar espaços, sobressair-se aos demais, sem medir efeitos nas relações solidárias, na convivência fraterna.

“Os outros” escolheram governantes e representantes ineptos, e abdicaram de participar, acompanhar e exigir aperfeiçoamentos na construção de uma sociedade mais justa.

“Os outros” aproveitaram-se de nossa passividade para furar filas, ultrapassar em manobras perigosas, ocupar as calçadas, ameaçar nossa integridade.

“Os outros” construíram barreiras intransponíveis que dividem ricos e pobres, velhos e novos, socialmente cultos e mestres da sobrevivência.

“Os outros” usufruíram de seu status para obter privilégios, para alavancar carreiras, para estampar vantagens.

“Os outros” fingiram-se de cordeiros para correr como lobos, e reinar como leões, para desgosto de nossa apatia enciumada.

Não fossem “os outros” viveríamos mais felizes em nosso sonho alienado, uma fantasia criada pela nossa teimosa mania de ver o mundo apenas do nosso ponto de vista.

Estaríamos livres da cumplicidade irrevogável de sermos pessoas deste tempo, deste lugar, dessa história.

Somos parte de uma sociedade carente de valores e princípios, ávida por desenvolvimento humano, sedenta de exemplos de caráter e liderança.

Transformar as cenas que denunciam nossa incompetência em conviver solidariamente numa realidade promissora de valorização da ética e prosperidade social é tarefa cotidiana e coletiva.

Então, culpar e punir estarão recheados de significado, como partes de um aprendizado contemporâneo, para manutenção de uma sociedade mais madura e mais livre.

23 julho 2007

LIÇÕES DA SEMANA

Imagens chocantes, depoimentos desesperadores, opiniões emocionais, discursos burocráticos, realidade devastadora.

A semana do maior acidente aeronáutico brasileiro é o ápice de uma repetitiva cadeia de desencontradas ações e estapafúrdias explicações, na quase aniversariante crise aérea nacional.

Da impossibilidade de explicar acidentes aéreos à incapacidade de gestão da infra-estrutura da aviação comercial, seguem-se uma sucessão de erros, manifestações descabidas das autoridades governamentais, decisões descoladas da realidade e miopia dos interesses comerciais.

A desfaçatez dos gestos dos dirigentes diante da fragilidade das pessoas que à própria sorte, sentiram na pele o efeito dramático da desgovernança é assustadora. A desconsideração ante a consternação que tomou conta da sociedade indigna a todos.

Noutro lado da explosão consumista dos vôos domésticos, estão as empresas aéreas e sua voracidade na obtenção de lucros resultantes da exaustão das rotas, da concentração das conexões em Congonhas, da redução obsessiva de custos, da construção artificial de uma imagem voltada para a atenção ao cliente, que se desfaz facilmente ao primeiro pedido de informações, que não se sustenta no primeiro sinal de dificuldade.

É certo que não visualizamos a totalidade dos interesses atingidos desde o acidente do avião da Gol, ano passado, quando se tornaram vilões os pilotos americanos, os controladores, os militares, os governantes.

Num país com tantas carências e desigualdades sociais, com aspirações ao crescimento econômico, pensar a infra-estrutura de transportes de modo amplo, com planos consistentes e de longo prazo é tarefa urgente.

A manutenção dos aeroportos, a eficácia dos centros de controle do espaço aéreo, a efetividade dos controladores, são atribuições mínimas para a sobrevivência de um sistema de transporte aéreo minimamente respeitável.

Alternativas de transportes com trens rápidos, desconcentração das rotas aéreas, interiorização do desenvolvimento fazem parte um movimento indispensável de melhoria da qualidade de vida nas metrópoles.

O enorme paradoxo que se evidencia nessas situações de crise é o conflito entre a crescente participação política e exercício da cidadania pela população e a despudorada conveniência das elites e dos políticos em emitir sinais descompromissados em relação aos fatos concretos.

A reincidente ausência de informações, a omissão e a fragilidade das autoridades para tomada de decisões que defendem o interesse público, a conivência com a popularização desenfreada do transporte aéreo independente de uma fiscalização e estrutura compatível com a demanda estimulada pela guerra de preços são ingredientes sempre presentes nessa interminável e problemática relação entre o governo, as empresas aéreas e a população.

As lições da última semana foram muito duras. Se vamos ultrapassar a perplexidade e a comoção para atitudes melhores na ética comercial e nas funções públicas só o tempo irá dizer. É o mínimo que podemos fazer em nome dos que perderam suas vidas em conseqüência da passividade nacional diante de tão significativos desafios.

07 julho 2007

HUMANAMENTE POSSÍVEL

Vivemos no mundo do trabalho.

Nele empenhamos nossas esperanças, carregamos nossos esforços, lapidamos nossas ambições, entregamos nossos melhores talentos.

Não sem motivo, temos pouco tempo para comemorar, para almoçar em família, para ler um livro, para tomar sol, para correr na praia.

Mas essa não é a pior constatação.

Para almejarmos construir um país que seja minimamente melhor do que hoje para nossos filhos e netos, não basta nos indignarmos com as diárias notícias negativas dos telejornais.

A ousadia de difundir e a coragem de praticar a ética, a solidariedade, a preservação do meio ambiente, a defesa da paz, precisam fazer parte da nossa atitude cotidiana.

A teimosia da honestidade e a perseverança da honradez não podem sucumbir aos desejos imediatos que se locupletam na arrogância.

Disfarçar as misérias da indiferença urbana, dar as costas ao abandono dos sertões não assegura os padrões das exigências estéticas globalizantes.

Nenhum crescimento econômico seduzirá por si só as nossas mentes, transformando-as em depositárias dos valores humanos essenciais.

Evoluir e repensar tudo, todas as coisas, todos os mitos, os preconceitos, os sinônimos de sucesso, os sabores do poder, isso é urgente.

Criar o novo, para sermos melhores, com a riqueza do significado do que é ser melhor.
Humanamente possível.

15 maio 2007

RELIGIOSIDADE

Concluída a visita do Papa Bento XVI, podemos dimensionar o papel da religiosidade na formação da identidade contemporânea do povo brasileiro.

País que acolheu uma diversidade de etnias e povos, o Brasil mistura as mais diversas crenças religiosas no seu amplo território, que além de enriquecerem a cultura popular, contribuem na consolidação das idéias, dos valores éticos e da pluralidade ideológica.

O catolicismo tradicional apoiado em uma história republicana menos democrática que a atual firmou-se como a religião oficial. Arejada pelos movimentos populares e sindicais, a Igreja Católica assistiu parte significativa do clero mergulhar na ação histórica e política, participando ativamente de mudanças sociais, sob a inspiração da Teologia da Libertação.

Após uma ressaca de ativismo de esquerda, e alertada pela perda expressiva de fiéis para outras denominações evangélicas e pentecostais, a nova igreja católica aposta em inovações midiáticas moderadas por uma teologia do tipo “volta às origens”, que caracteriza o papado atual.

O modo eclético da sociedade brasileira se relacionar com as religiões contrasta com a tentativa de se impor um dogmatismo excessivo, ao mesmo tempo em que se fragiliza a fidelidade ao culto de origem.

Por outro lado, essa nação repleta de ensinamentos espirituais adota lideranças políticas pouco comprometidas com valores morais, e não podemos desvinculá-las daqueles a quem representam.

Da maioria católica não rotulada por sua opção religiosa, às bancadas evangélicas, uma maioria significativa de nossos políticos aproveitou o desvio dos holofotes de Brasília para a visita do Papa em São Paulo para aprovar aumento salarial aos congressistas, que atingirá também o Executivo, e deve beneficiar também os mandatários das assembléias legislativas e câmaras municipais pelo país.

A sociedade em que vivemos carece de atitudes coerentes com os valores defendidos, com os ensinamentos difundidos, com as crenças adotadas.

A visibilidade obtida pelo líder do catolicismo em sua visita ao Brasil, não garante uma adesão da imensa população que o acolheu aos valores morais e aos princípios éticos por ele defendidos.

Assim como em todas as religiões, os preceitos positivos e edificantes precisam sair das liturgias e doutrinas, para o cotidiano real dos que querem construir melhores dias.

26 abril 2007

JOGOS E ILEGALIDADES

A exposição pública do envolvimento de juízes, policiais e advogados com o esquema que favorece o funcionamento de bingos para benefício de bicheiros e empresários do ramo de jogos ilegais causa perplexidade na sociedade e desacredita as instituições.

A Polícia Federal no exercício de suas atribuições desvenda uma rede de corrupção, lavagem de dinheiro e uso desmedido de poder, engendrado com a conivência das autoridades locais, sustentado na expedição de liminares que autorizam a manutenção dos bingos, ao largo dos parâmetros legais.

A constatação de que escolas de samba do carnaval carioca são lideradas por indivíduos envolvidos nesta combinação ilícita torna nebulosa a explicação sobre a origem dos recursos da mais linda das festas populares do país.

Violência e corrupção são ingredientes já conhecidos num confronto persistente de verdadeiras máfias pelo controle da arrecadação das máquinas caça-níqueis.

Espantada com a complexidade das denúncias e com a intrincada relação estabelecida entre o poder e a bandidagem, a população quer o esclarecimento dos fatos e a punição exemplar dos culpados.

Mais do que um compromisso público, a revelação das entranhas dessas ilicitudes, e a conseqüente responsabilização dos seus autores é o único caminho para poupar a imagem das categorias profissionais a que pertencem e das instituições que representam.

31 março 2007

O PAÍS DAS MARAVILHAS

O Tribunal Superior Eleitoral anunciou a construção de um novo e luxuoso prédio em Brasília, cujo investimento superará os trezentos e vinte milhões de reais.

Comissão da Câmara dos Deputados aprovou para os legisladores federais uma ajuda de custo adicional para exercício de seus mandatos no valor de cinco mil reais, sem necessidade de comprovar ou justificar os gastos, além de um significativo aumento salarial. A proposta ainda será votada no plenário.

O presidente da República chamou de “heróis” os políticos que assumem os cargos ministeriais em troca de salários de oito mil reais.

O que se depreende dessas notícias é que não foram somente as águas de março que inundaram nossas cidades causando o caos no espaço aéreo e no transito das avenidas das metrópoles.

As mentes palacianas também foram invadidas por uma criativa inspiração de fazer inveja aos contistas infantis, embarcando numa fantasiosa viagem por um país das maravilhas, desconhecido pela maioria da população brasileira.

Desnecessário comentar e criticar os desperdícios, as leviandades, as imoralidades.

Para um povo carente de emprego, habitação, saúde e educação, que precisa sobreviver na insegurança das metrópoles, essas iniciativas são aberrações que causam profundo sentimento de frustração com os governantes, semeando desesperanças, abortando projetos de vida, estimulando a prática de se obter vantagens sobre o valor da solidariedade e do desenvolvimento da sociedade.

A exposição intensa na mídia do caos nos aeroportos – respeitados os passageiros prejudicados e os trabalhadores do setor que são os principais perdedores – é também uma demonstração de como olhamos para interesses de minorias privilegiadas enquanto damos as costas aos inúmeros problemas de transporte público espalhados pelo país.

Precisamos olhar para o Brasil de verdade que habita no sertão, que desbrava a floresta amazônica, que sobe e desce morros, que anda espremido nos trens, ônibus e metrôs, que chacoalha nas estradas e avenidas esburacadas, que cria calos nas mãos nos cortes de cana e nas construções urbanas. Como canta Milton Nascimento: “Ficar de frente para o mar, de costas pro Brasil, não vai fazer desse lugar um bom país”.

Quanto à surreal estrutura de poder em Brasília, que não se comove, nem escuta a voz da sua gente, persistirá o isolamento e a fanfarronice.

Até que a sociedade se faça ouvir, quem sabe, usando também de uma criatividade infantil, cheia de vida, de esperança, de vontade de crescer.

06 março 2007

A MOSCA AZUL

Teve uma especial importância para mim, a leitura de “A Mosca Azul”, de Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto - livro que recebi do meu amigo Max. Trata-se de um depoimento importante sobre a história do Brasil nos últimos quarenta anos, pela ótica de um religioso de tendência esquerdista, defensor do socialismo e comprometido com transformações da sociedade brasileira.

Não há a preocupação de esmiuçar conceitos filosóficos, nem precisar acontecimentos históricos, mas sim, destacar idéias que mobilizaram as pessoas a construírem um país diferente, num determinado contexto, sob determinadas condições.

A conjugação de circunstâncias históricas que culminaram com a eleição de um operário metalúrgico à presidência da república – feito que independente de qualquer posicionamento partidário tem significado extraordinário – jamais se repetirá.

A resistência à ditadura, o retorno dos expatriados, a construção da legalidade democrática, a expansão dos movimentos populares, religiosos e sindicais no interior da sociedade, a mobilização dos trabalhadores urbanos e agricultores, tudo concorreu para a conscientização cidadã e a geração de expectativas superiores para o desenvolvimento do país.

Quando o partido que majoritariamente atraiu para si a liderança desse processo libertário esbaldou-se nas regalias do poder central e inibiu-se de sua história socialista, os sonhos se desvaneceram, a utopia ficou ainda mais distante e precipitou-se sobre nós o sentimento de que décadas de dedicação aos mais nobres valores humanos foram perdidos, ou pelo menos, preteridas pela complacência com o “status quo”.

Em sua sensatez, Frei Betto chama a atenção para a perenidade da opção pelos mais pobres, para a integridade das atitudes solidárias, para a permanência da aspiração socialista.

Não há motivos para nos acomodarmos aos refrões que apontaram nos últimos anos o fim dos sonhos, a queda dos muros, a globalização das mentes.

Não queremos ser cúmplices de uma sociedade que idolatra o lucro, padroniza o consumo, e incute nas crianças desde cedo a obsessão pela propriedade como instrumento de afirmação na sociedade.

Rejeitamos a miséria que nos envergonha enquanto humanos, sabendo que ela é resultado da concentração capitalista, de sistemas de produção que se transfiguram, mas não mudam na sua essência.

A humanidade que existe em nós é testemunha do que sentimos quando países de excessivo poder econômico e bélico impõem seus interesses a qualquer custo sobre os que mal podem defender-se, em que pese suas eventuais excêntricas arrogâncias.

Por tudo isso, quando as decepções parecem sobrepujar as convicções, prestemos atenção aos inumeráveis exemplos de participação criativa das comunidades, da avassaladora proliferação do voluntariado, do crescente aperfeiçoamento da participação popular nas decisões locais, do inegável aprendizado que o exercício da cidadania tem significado para todos nós, da incansável defesa da natureza pelos ambientalistas, e de tantos, que como nós, sonham com dias melhores.

O poder de mudar as coisas está tão presente entre nós, que nos excedemos em controlá-lo, evitando o desafio de um diálogo, a iniciativa de uma atitude criadora, a diferença de pensar o novo, o compromisso com a nossa identidade. Ou será que também fomos picados pela “mosca azul” ?

23 fevereiro 2007

CARNAVAL E ESPERANÇA

As incontáveis manifestações regionais que aparecem durante os feriados de carnaval retratam a riqueza antropológica e étnica constitutiva da população brasileira.

A tolerância que caracteriza a convivência dos povos do Brasil, a múltipla origem da formação da nossa nacionalidade, são elementos que reforçam o potencial criativo da nossa gente.

As conseqüências dessa diversidade cultural são complexas, e não raramente suscitam comentários preconceituosos, mentalidades elitistas e posturas separatistas, felizmente isoladas e escassas no contexto nacional.

Chama a atenção, por exemplo, a capacidade de organização e mobilização potencializada na preparação, treinamento e execução do espetáculo carnavalesco que toma ruas e sambódromos pelo país afora.

Os eventos são movidos por avassaladora paixão artística, estimuladas por ingredientes de forte competitividade e construídos sob experimentado e crescente profissionalismo dos envolvidos.

Fosse utilizada essa energia popular para a busca de novas alternativas de produção e renda, fosse canalizada essa criatividade para o aprimoramento de nossa civilidade, estaríamos certamente em outro grau de desenvolvimento.

O carnaval é uma demonstração da possibilidade real da conjugação de interesses empresariais, governamentais e populares, que se transformam em resultados coletivos expressivos.

Se não podemos eliminar barreiras históricas que impedem uma integração harmônica de realidades tão desiguais em nossos diversos “brasis”, o certo é que existem muitos exemplos promissores, que dão certo, e que não podemos deixar de aprender sobre a essência desses caminhos vitoriosos.

Claro que esse clima de festa generalizada aconteceu em meio às catástrofes ambientais, ao descrédito das instituições políticas, as barbáries urbanas, ao império das gangues e milícias sobre comunidades inteiras, sobre os quais não queremos ficar indiferentes, nem podemos.

Aproveitemos sim, modelos de sucesso, ações solidárias e cooperativas que traduzam esperança, gerem expectativas para os mais jovens e soluções comprometidas e duradouras para a maioria da população brasileira.

06 fevereiro 2007

EXTRAVAGÂNCIAS

O período de férias de verão é momento apropriado para a instalação de debates nacionais de baixa popularidade se levados adiante em períodos de excesso de noticiário.

Nesse contexto, ressurge a reflexão sobre os altos vencimentos dos membros dos poderes Legislativo e Judiciário, aos quais confiamos o exercício de algumas das mais nobres tarefas de justiça e gestão do bem público para a convivência equilibrada de toda a sociedade.

Para além dos números extravagantes que distinguem os seus salários – quando comparados a renda média dos brasileiros – o que se expõe ao juízo do cidadão comum é a eficácia do recurso alocado para essas funções, a credibilidade requerida para o exercício de cargos de tamanha envergadura, a probidade e a ética de tão privilegiados cidadãos.

A visível indiferença semeada de insensatez percebida nas respostas aos questionamentos de uma população envolvida com a busca de trabalho e sobrevivência digna, repercute como desalento generalizado que se traduz em desinteresse crescente pela atitude cidadã.

Inimaginável supor que esse descolamento da penosa realidade que atinge a maioria dos cidadãos do país possa contribuir para a eficiência do regramento social, para a eficácia do ordenamento jurídico, para o aprimoramento do regime democrático, para a operatividade do sistema representativo.

Quando enfrentam-se em tão estapafúrdias contendas, sobre o protagonismo do maior dos vencimentos, legislativo e judiciário só fazem multiplicar a desconfiança da sociedade quanto a capacidade dos poderes em estabelecer a ordem e promover a prosperidade.

O engajamento dos poderes no desenvolvimento de uma nação que aperfeiçoa sua democracia, deve partir da sua própria relação com seu papel institucional e com os desafios que lhe são outorgados.

Dos que defendem a liberdade e o direito, dos que se utilizam das possibilidades de escolha e de associação política, esperam-se atitudes edificantes, que venham contribuir para a disseminação do exercício da cidadania.

Que não tenhamos que lamentar no futuro, o tempo e a energia que foram consumidos para atender interesses particulares de doutores e parlamentares, aos quais é destinada a importante missão de inspirar prosperidade e justiça.

29 janeiro 2007

FÓRUNS E RIQUEZAS

Reunidos em Davos na Suíça, os principais dirigentes das grandes potências econômicas mundiais se debruçaram em poucos dias numa grande variedade de temas importantes para o futuro da humanidade.

A julgar pelo divulgado até o momento, o assunto principal do encontro anual reforça a preocupação das mais diversas organizações sociais pelo mundo afora: a saúde do planeta.

Parece claro que entre os números de taxas de crescimento, tarifas de comércio, subsídios e restrições, o efeito da intervenção humana sobre o clima da Terra é o mais urgente problema a ser enfrentado, sem o qual, de nada adiantarão, e para nada servirão os esforços desenvolvimentistas das nações.

Alheio aos apelos universais, o governo americano omite-se das iniciativas de defesa do meio ambiente – embora já admita a gravidade da situação.

A ação bélica no Oriente Médio de forma continuada piora o quadro de miséria das populações atingidas e torna a região ainda mais vulnerável aos desastres ambientais, como no caso recente da queima dos poços de petróleo.

O Brasil também é um país especialmente importante no cenário mundial.

Ávido por um desenvolvimento econômico que ofereça dignidade e oportunidades aos milhões de desempregados, subempregados e excluídos da vida econômica pelo fracasso do setor agrícola e parte da indústria, o Brasil é também a maior reserva biológica do planeta.

Privilegiado pela riqueza natural, o país precisa assumir a responsabilidade pela preservação das florestas e dos rios, criando perspectivas de utilização desse potencial para viabilizar arranjos econômicos sustentáveis que incluam os brasileiros à margem da prosperidade econômica urbana e essencialmente litorânea.

A exposição de idéias nos fóruns internacionais, a elaboração de planos de crescimento, a criação de fundos de investimento, serão inócuos senão acompanhados de consciência ambiental e solidariedade humana.

A solução para muitos dos problemas das grandes cidades está diretamente ligada a políticas de interiorização do país, de aproveitamento de recursos naturais estratégicos e da formação de uma comunidade científica sólida capaz de transformar essa riqueza em alternativas efetivas de desenvolvimento social.

13 janeiro 2007

RECOMEÇAR


O momento presente tem uma riqueza infinita mergulhada numa vastidão de possibilidades. A liberdade individual de decidir por um caminho, de optar por uma fonte, de escolher uma alternativa é uma indelegável e irrestrita oportunidade, que se multiplica e se eterniza a cada fração de segundo.

O ser humano histórico, amarrado por suas tradições, contido por suas crenças infantis, reduz o espaço da sua criatividade e torna-se cativo das convicções ultrapassadas e das ambições contemporâneas.

O movimento conflituoso dos povos, das castas e das culturas invade as relações dos humanos com os seres e a natureza. A descontrolada ocupação do planeta desafia as leis naturais e coloca em risco o futuro da espécie e do meio ambiente.

Nas famílias ou nos arranjos sociais modernos, as diferenças psicológicas são tragadas pela necessidade de socialização aparente, dissociada da solidariedade construtiva.

A afirmação da pessoa, enquanto personalidade única, sucumbe aos modelos estabelecidos, que por sua vez, determinam condições primitivas de convivência social.

Crescer em humanidade é uma necessidade fundamental superior aos galanteios do poder e ao perfume das riquezas materiais. Somente pelo exercício persistente da essência humana encontraremos soluções íntegras para os enormes desafios que a existência social nos apresenta.

A urgência de atitudes colaborativas entre os povos é construída a partir das iniciativas fraternas dos indivíduos. A perspectiva de um futuro mais altivo é resultado de ações inovadoras, de posturas harmoniosas e inflexões inteligentes sobre o status quo.

A existência é palco para experimentação consciente das nossas habilidades. Colocá-las a serviço da coletividade é decisão pessoal e intransferível. Recomeçar um ano, recomeçar uma carreira, reinventar a vida.

Tão estimulante quanto recomeçar é abraçar as pessoas, aspirar novas oportunidades, recriar comportamentos, transformar o mundo. O desenho de uma nova era começa pelos traços mais simples, pela visão de um sonho, pela liberdade criativa. Mãos a obra!


03 janeiro 2007

BRUTALIDADE E ALENTO

Duas faces da violência marcaram a passagem para o ano novo: uma, a morte por enforcamento de Sadam Houssein, ex-presidente do Iraque; a outra, a série de atentados desencadeados por bandidos no Rio de Janeiro.

Não tentarei encontrar semelhanças entre esses acontecimentos pois isso nada acrescentará em nossa reflexão. Se algo pode unir esse horrível noticiário que recheou a época do revellion é a nossa repulsa ao ato brutal, à lógica da morte, à preguiça do ódio.

A eliminação de Sadam atende aos interesses dos Estados Unidos, não mais por sua importância política ao lado de seus aliados sunitas, que embora minoria, dominaram o Iraque nos anos em que seu líder era apoiado pelos mesmos que hoje o excluíram de cena.

O golpe letal cumpre a emergência do governo Bush em oferecer à sociedade americana uma indicação da possibilidade de desfecho para uma invasão malsucedida ao Iraque, que não consegue por fim à enorme crise política e social daquele país.

O pretexto da vingança contra o líder sanguinário é mote para o arrefecimento das críticas à improdutividade da presença das forças americanas no Oriente Médio e à improbabilidade de uma solução de curto prazo para a estabilidade política.

No Rio de Janeiro, a surpreendente – se é que ainda podemos nos surpreender – série de ataques dos bandidos feitos aos postos policiais, aos ônibus de passageiros, e outros alvos quaisquer.

No episódio atual chamou a atenção de todos a constatação da existência de milícias – forças paralelas que segundo os meios de comunicação são formadas por membros da própria polícia e de atividades afins – que tomam favelas e bairros do Rio para oferecer a segurança substituindo o Estado de modo ilegal, em troca de taxas abusivas e exploração de serviços “públicos”.

As comunidades sobreviventes ao descaso e ineficiência das instituições, rendem-se às opções existentes – à vigilância autoritária dessas milícias ilegais ou ao cerco desagregador e desumanizante dos traficantes na busca do êxito do seu comercio de drogas ilícitas.

O combate à entrada de armas e a eliminação da rota das drogas ultrapassando a nossa fronteira são desafios importantes. A carência de habitação com urbanidade mínima e de saneamento básico humilham a população favelada.

Não são desprezíveis nesse contexto onde a brutalidade impera, a ausência do Estado protetor, a falta de empregos, a carência de políticas educacionais e esportivas para os jovens, a situação caótica dos hospitais, a escassez de infra-estrutura urbana e o esgotamento dos transportes públicos.

Em meio aos mais diversos problemas que circundam o ambiente das favelas no Rio, um sinal de entendimento entre o governo federal e novo governo estadual sobre formas estratégicas de enfrentá-los, pode ser a semente de esperança que faltava àquela população, cansada da humilhação e do desprezo governamental.


Um novo alento aos que querem viver em paz na cidade maravilhosa, o momento pode ser o início de uma caminhada mais sóbria, porém planejada e eficaz dos governantes e da sociedade, para o estabelecimento de um outro nível de civilidade, com mais dignidade e segurança para os cidadãos fluminenses.

A FORÇA DO POVO