31 março 2007

O PAÍS DAS MARAVILHAS

O Tribunal Superior Eleitoral anunciou a construção de um novo e luxuoso prédio em Brasília, cujo investimento superará os trezentos e vinte milhões de reais.

Comissão da Câmara dos Deputados aprovou para os legisladores federais uma ajuda de custo adicional para exercício de seus mandatos no valor de cinco mil reais, sem necessidade de comprovar ou justificar os gastos, além de um significativo aumento salarial. A proposta ainda será votada no plenário.

O presidente da República chamou de “heróis” os políticos que assumem os cargos ministeriais em troca de salários de oito mil reais.

O que se depreende dessas notícias é que não foram somente as águas de março que inundaram nossas cidades causando o caos no espaço aéreo e no transito das avenidas das metrópoles.

As mentes palacianas também foram invadidas por uma criativa inspiração de fazer inveja aos contistas infantis, embarcando numa fantasiosa viagem por um país das maravilhas, desconhecido pela maioria da população brasileira.

Desnecessário comentar e criticar os desperdícios, as leviandades, as imoralidades.

Para um povo carente de emprego, habitação, saúde e educação, que precisa sobreviver na insegurança das metrópoles, essas iniciativas são aberrações que causam profundo sentimento de frustração com os governantes, semeando desesperanças, abortando projetos de vida, estimulando a prática de se obter vantagens sobre o valor da solidariedade e do desenvolvimento da sociedade.

A exposição intensa na mídia do caos nos aeroportos – respeitados os passageiros prejudicados e os trabalhadores do setor que são os principais perdedores – é também uma demonstração de como olhamos para interesses de minorias privilegiadas enquanto damos as costas aos inúmeros problemas de transporte público espalhados pelo país.

Precisamos olhar para o Brasil de verdade que habita no sertão, que desbrava a floresta amazônica, que sobe e desce morros, que anda espremido nos trens, ônibus e metrôs, que chacoalha nas estradas e avenidas esburacadas, que cria calos nas mãos nos cortes de cana e nas construções urbanas. Como canta Milton Nascimento: “Ficar de frente para o mar, de costas pro Brasil, não vai fazer desse lugar um bom país”.

Quanto à surreal estrutura de poder em Brasília, que não se comove, nem escuta a voz da sua gente, persistirá o isolamento e a fanfarronice.

Até que a sociedade se faça ouvir, quem sabe, usando também de uma criatividade infantil, cheia de vida, de esperança, de vontade de crescer.

06 março 2007

A MOSCA AZUL

Teve uma especial importância para mim, a leitura de “A Mosca Azul”, de Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto - livro que recebi do meu amigo Max. Trata-se de um depoimento importante sobre a história do Brasil nos últimos quarenta anos, pela ótica de um religioso de tendência esquerdista, defensor do socialismo e comprometido com transformações da sociedade brasileira.

Não há a preocupação de esmiuçar conceitos filosóficos, nem precisar acontecimentos históricos, mas sim, destacar idéias que mobilizaram as pessoas a construírem um país diferente, num determinado contexto, sob determinadas condições.

A conjugação de circunstâncias históricas que culminaram com a eleição de um operário metalúrgico à presidência da república – feito que independente de qualquer posicionamento partidário tem significado extraordinário – jamais se repetirá.

A resistência à ditadura, o retorno dos expatriados, a construção da legalidade democrática, a expansão dos movimentos populares, religiosos e sindicais no interior da sociedade, a mobilização dos trabalhadores urbanos e agricultores, tudo concorreu para a conscientização cidadã e a geração de expectativas superiores para o desenvolvimento do país.

Quando o partido que majoritariamente atraiu para si a liderança desse processo libertário esbaldou-se nas regalias do poder central e inibiu-se de sua história socialista, os sonhos se desvaneceram, a utopia ficou ainda mais distante e precipitou-se sobre nós o sentimento de que décadas de dedicação aos mais nobres valores humanos foram perdidos, ou pelo menos, preteridas pela complacência com o “status quo”.

Em sua sensatez, Frei Betto chama a atenção para a perenidade da opção pelos mais pobres, para a integridade das atitudes solidárias, para a permanência da aspiração socialista.

Não há motivos para nos acomodarmos aos refrões que apontaram nos últimos anos o fim dos sonhos, a queda dos muros, a globalização das mentes.

Não queremos ser cúmplices de uma sociedade que idolatra o lucro, padroniza o consumo, e incute nas crianças desde cedo a obsessão pela propriedade como instrumento de afirmação na sociedade.

Rejeitamos a miséria que nos envergonha enquanto humanos, sabendo que ela é resultado da concentração capitalista, de sistemas de produção que se transfiguram, mas não mudam na sua essência.

A humanidade que existe em nós é testemunha do que sentimos quando países de excessivo poder econômico e bélico impõem seus interesses a qualquer custo sobre os que mal podem defender-se, em que pese suas eventuais excêntricas arrogâncias.

Por tudo isso, quando as decepções parecem sobrepujar as convicções, prestemos atenção aos inumeráveis exemplos de participação criativa das comunidades, da avassaladora proliferação do voluntariado, do crescente aperfeiçoamento da participação popular nas decisões locais, do inegável aprendizado que o exercício da cidadania tem significado para todos nós, da incansável defesa da natureza pelos ambientalistas, e de tantos, que como nós, sonham com dias melhores.

O poder de mudar as coisas está tão presente entre nós, que nos excedemos em controlá-lo, evitando o desafio de um diálogo, a iniciativa de uma atitude criadora, a diferença de pensar o novo, o compromisso com a nossa identidade. Ou será que também fomos picados pela “mosca azul” ?

A FORÇA DO POVO