13 julho 2011

POSSUIR E PERDER

Quando a criança chora porque o seu doce foi comido pelo irmãozinho, ou quando reclamamos na hora do pagamento dos impostos, o sentimento é o mesmo: estão sendo subtraídas as minhas posses.

Livre e explorador por natureza, o homem civilizado, ao longo dos séculos, tratou de demarcar terras, erguer muralhas e levantar cercas.

Ricos e pobres distinguiram-se pela quantidade e qualidade dos bens que foram acumulados no interior de cada propriedade. Roubar, perder, subtrair, são conceitos subseqüentes aos de pertencer, tomar posse, acumular.

O apego à propriedade individual é um despropósito em si mesmo, pois alimenta o culto às diferenças individuais estabelecidas pelos bens materiais, enquanto reduz os objetivos de vida de todos na sua conquista.

À desumana fonte de preocupações econômicas, some-se o escárnio das desigualdades produzidas contra os mais pobres, ou ao deboche, dos que usam o poder para ganhar mais, à custa do sacrifício e desvio do alheio.

Engajados em um sistema de consumo permanente, tornamo-nos vítimas da busca incansável e da satisfação inatingível.

E nos sentimos realmente incomodados quando percebemos pessoas vivendo em desacordo com o sistema, ricas em sensibilidade e prósperas em dignidade, menosprezando as regras estabelecidas, ignorando as cercas que erguemos, subvertendo a nossa resignação.

Não choremos pelo doce que nos foi subtraído, mas pela constatação de nossa falta de humanidade.

21 abril 2011

AOS MURROS E PONTAPÉS


Cada vez que uma professora é agredida numa escola, podemos nos perguntar: onde foi que erramos? Desde quando isso passou a acontecer?

A resposta não é simples. Muitas coisas mudaram, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Nossos modelos tradicionais de convívio social, de formação humana, de estrutura familiar estão indubitavelmente abalados.

As expectativas para o futuro reprovam um retorno ao passado, mas caminham para o estabelecimento de parâmetros novos, de relações menos enraizadas, sob valores mais universais e menos morais.

Na escola e no ambiente das salas de aula as pessoas não se comportam de forma isolada dos costumes da sociedade.

E a perda de referências de autoridade na família, no trabalho, na escola, infelizmente, é uma dinâmica social mais ampla, que não será revertida por práticas pedagógicas ou por voluntarismo dos esforçados professores.

É preciso muita reflexão acadêmica, muita humildade investigativa, muito diálogo público, para que se aspire encontrar alguns pontos de convergência entre a sociedade que almejamos e o estágio em que nos encontramos.

A melhor maneira de evoluirmos, entendo, está em nossa capacidade de articularmos experiências práticas e conhecimento científico.

Urge deixarmos de lado as preferências partidárias, as vinculações mercantilistas e as simplificações ideológicas.

Educação é atividade complexa, de inúmeros significados, construída a partir da história das civilizações, das ciências sociais e da contextualização do ser humano no espaço e no tempo.

Não é tarefa para amadores.

Dar educação, na escola e na família, é formar pessoas, dotadas de valores e de responsabilidades, donas de aptidões e da capacidade de fazer escolhas.

E para enfrentar a vida, não queremos escolher os murros e pontapés, mas a gentileza, a solidariedade, a possibilidade de nos unirmos nas convergências e negociarmos as divergências.

É o que se espera de um país educado e preparado para o convívio global.

06 abril 2011

LIÇÕES JAPONESAS


A recente catástrofe do tsunami no Japão foi exposta nos meios de comunicação à exaustão, por um enorme repertório de meios digitais e eletrônicos utilizados pelas mídias interessadas comercialmente.

As imagens chocantes e os ângulos extraordinários transformam em espetáculo do horário nobre, o drama de milhares de orientais em sua escalada diante de adversidades raramente dimensionadas.

Mais forte do que o visual “spilbergiano” de muitas cenas, é o conteúdo humano das atitudes percebidas no momento da dor e da compaixão, da angustia e da tênue linha da sobrevivência, da solidariedade indispensável e da sensatez inesperada.

A solidez dos valores da sociedade milenar japonesa atua de modo discreto, mas reforça a impressão de que a aparente ocidentalização que mudou a ilha nos anos 80 é uma concessão secundária que permitiu a inserção do país no mercado global, longe de alterar seus costumes e regramentos essenciais.

Diferentes idades, gêneros, origens de classe, não estabelecem diferenças na compreensão fundamental de que o país, a nação, a comunidade estão acima dos interesses individuais, egoístas, personalizados.

O heroísmo protagonizado por homens e mulheres para salvar vidas, sem perder a dignidade e a compostura, diante de tremores de terra intermitentes desafiam a contumaz intolerância a riscos, e a impaciência com os necessitados e menos afortunados, tão presentes no nosso cotidiano.

Quando todos os debates decorrentes desses eventos rumam com certa prudência para questões ambientais, é preciso apreciar as lições históricas que podem ser extraídas desse episódio, em suas dimensões culturais, antropológicas, humanas.

Um país de extensão restrita, estrutura geológica desfavorável, devastado por guerras e tsunamis, resiste a tudo com uma bravura temperada pela guarda da honra, do respeito e da esperança no futuro.

Que as águas do mar revolto lavem as feridas que acometem nossa sociedade, não causada pela força das intempéries, mas pela banalização do consumismo pueril, fonte de ambições desmedidas e indiferenças fatais.
(Debatam comigo pelo e-mail fialhodefialho@uol.com.br)


08 março 2011

O CARNAVAL DOS CICLISTAS


As manifestações que se espalharam pelo mundo afora, após o atropelamento de vários ciclistas em Porto Alegre podem ser o toque que faltava para uma evolução no debate da questão atualíssima da mobilidade urbana.

No planeta inteiro, pedestres e veículos de todos os portes convivem em condições desiguais, e provocam dores de cabeça freqüentes nos governantes locais, que tem posturas muito controversas para tentar resolver ou amenizar os problemas latentes.

Isoladas ou mistas, são muitas as iniciativas adotadas em prol da harmonia dos atores que se movimentam nas cidades: expansão de trens e metrôs, oferecimento de transporte público com maior conforto, cobrança de pedágios em zonas centrais, construção de passarelas e ciclovias, recuperação de calçadões, estabelecimento de rodízios para uso do veículo particular, entre outras.

No Brasil, a resposta do governo à crise econômica que se alastrou nos países desenvolvidos nos últimos anos, foi o incentivo à produção e universalização do carro novo, estratégia de sucesso acompanhada da expansão do crédito, que aqueceu o consumo e gerou empregos a partir das montadoras e das demais empresas que acompanham o desempenho da indústria automobilística.

O crescimento geométrico do numero de automóveis nas estradas e avenidas aprofundou a crise do transito nas grandes cidades e esgotou a já deteriorada malha rodoviária existente.

A complexidade do desafio a ser enfrentado está na concepção de que há um espaço público a ser ocupado, e que nele devem se movimentar as pessoas, independentemente da condição ou da opção de utilizar um veículo para isso.

Ao “colocarem o bloco na rua” os ciclistas alertam para a necessidade de um enfoque mais humano nas decisões que afetam o desenvolvimento e a mobilidade urbana.

Os pedestres se associam ao “samba enredo” dos usuários das “magrelas”, pedindo mais consideração e respeito pelos que trafegam motorizados e pelos que definem as políticas publicas.

Que o movimento de retorno do carnaval, traga uma “evolução” esperançosa para o debate, precursora de uma “harmonia” nas ruas das cidades, digna de uma civilidade saudável para todos.


22 fevereiro 2011

LIÇÕES DO EGITO

As revoltas populares que agitam a África e o Oriente Médio prenunciam novas instabilidades no cenário político internacional e nos instigam a refletir sobre o futuro.

A África historicamente colonizada e explorada por nações européias, busca novas alternativas para seus Estados – a ambição de serem protagonistas de um mundo cujas cartas estão dadas há séculos.

O modelo anglo-americano de exploração e consumo está em cheque: os recursos naturais do planeta agonizam, as gerações conformadas se insubordinam, as políticas tradicionais se exaurem.

Culturas milenares e alheias ao capitalismo ocidental tornaram-se centrais na nova configuração econômica e os velhos modos de negociação e comércio estão sendo repaginados.

O vigor cultural de religiões desprezadas pela modernidade ocidental sedimenta a integração dos cidadãos em luta ética por governos mais sérios.

Os avanços tecnológicos no mundo das comunicações imediatas potencializam os efeitos das intervenções coletivas, e disseminam suas motivações pelo mundo afora pelos pequenos, mas interconectados aparelhos eletrônicos.

As lições do Cairo ainda terão que ser melhor estudadas, e os pretensos parâmetros que norteiam as decisões mundiais deverão levar em conta os novos sinais que vem do intangível, do virtual e das possibilidades instantâneas.

Os indivíduos interagem entre os hemisférios, vencem as distancias em segundos e estabelecem novos horizontes na concepção de Estado, na definição de mundo, na convivência planetária.

Compreender as dificuldades para interpretar as novas relações sociais é um passo fundamental para a elaboração de proposições para o futuro da nossa sociedade.

É preciso retomar as incertezas ideológicas e questionar as convicções econômicas à luz das novas experiências humanas nesse contexto de grandes transformações.

18 janeiro 2011

DRAMA E REALIDADE

Ano após ano se repetem as tragédias na região sudeste brasileira. A época do ano, os locais de risco, a situação dos rios e encostas, a precariedade das habitações periféricas e ribeirinhas, as explicações dos políticos nas diversas esferas governamentais: todas as circunstâncias, os atores e os seus papéis nesse drama da vida real são plenamente conhecidos de todos nós.

Como todo enredo dramático, está recheado de cenas chocantes, de ações miraculosas, de fatos surpreendentes e bizarrices que contornam o assunto principal e distraem o espectador mais atento.

Mas isso não é uma ficção.
 
Políticas públicas são postas em prática ao longo dos anos para gerar resultados no médio e no longo prazo. Destinar alguns milhões de reais para socorrer os locais atingidos pelas chuvas não resolve o problema.

Fala-se em modernos sistemas de monitoramento, caros e de alta tecnologia, para previsão das intempéries de alto risco. Esquece-se que a época das chuvas é sempre a mesma, e que prever a chuva com quarenta e oito horas de antecedência não solucionará as deficiências de saneamento, urbanização, moradias construídas a beira dos rios, monitoramento cotidiano da Mata Atlântica, entre outras ações que os técnicos do Estado há muito vem alertando os grupos políticos que se revezam no poder há muitos anos.

De toda essa lama, salva-se a solidariedade, tão bem protagonizada pela população brasileira, e tão mal aproveitada para a construção de uma cultura de preservação da saúde, de aperfeiçoamento educacional, de hábitos sustentáveis.

01 janeiro 2011

ANO NOVO DEMOCRÁTICO

O novo ano coincide com a posse dos novos governantes estaduais, parlamentares estaduais e federais, e da presidenta da república.

Trata-se de um novo ciclo do exercício político partidário, cujas eleições a cada dois anos, envolvem em uma aparência de rotina o que precisa ser vivido com intensidade e relevância.

Mais do que uma obrigação civil, o voto obrigatório encaminha a convivência democrática, que sintetiza responsabilidades e desafios de eleitos e eleitores.

Projetos políticos disputaram a preferência da população nas urnas, e agora, movida pelo mínimo de coerência de seus autores e defensores, devem ser implementados já que vencedores são.

Eleição não é o fim da democracia, mas um meio, um instrumento fundamental. Um ponto de conexão entre passado e futuro; quando o experimentado torna-se referência para o que se aspira alcançar.

Estagnação, crescimento, euforia ou desespero, não determinam a importância do momento eleitoral. Nem a normalidade, nem o caos devem orientar a participação cidadã, a reflexão cívica, a atividade social.

Programas partidários, modos diversos de governar, expectativas de futuro para a sociedade, são as motivações que nos fazem acreditar nas instituições publicas dirigidas por representantes eleitos constituídos, formados e preparados na sociedade, a imagem e semelhança de todos nós.

No momento, é o melhor modelo de organização que temos. Nosso papel é acompanhar, participar quando possível e principalmente, compreendermos o peso real do nosso voto.

A FORÇA DO POVO