31 janeiro 2014

UM FUTURO PARA A MOBILIDADE URBANA


Sofrendo as constantes faltas de energia e de água combinadas com a onda de calor sufocante, a população da capital gaúcha experimentou na última semana a ausência dos transportes coletivos, causada pela greve dos trabalhadores do setor.

O direito de greve legítimo dos trabalhadores esbarrou na incompetência das autoridades públicas e na manipulação dos interesses pelo setor privado. A falta de ônibus só não causou caos mais intenso porque estamos em fevereiro, época em que muitos porto alegrenses estão veraneando no litoral e a maioria das escolas ainda estão fechadas.

Erguido em meados do século passado, o modelo de transporte coletivo de Porto Alegre se mantém intacto e ineficiente graças à ausência de licitações no setor, à incapacidade do Estado na formulação de um planejamento urbano consistente e à inércia dos movimentos populares e sindicais, que se acomodam na aproximação com o poder que emprega e remunera seus principais líderes.

Centenas de ônibus fazem irracionalmente os mesmos trajetos, enquanto áreas importantes da cidade são muito mal atendidas. Movidos pelo lucro, as empresas de ônibus urbanos não são exigidas como prestadores de serviços públicos essenciais, e se aproveitam do controle do mercado – associando-se aos lotações – para ditar as regras do sistema.

O Poder Judiciário impõe com uma mão, exigências para mediar a confusão entre a prefeitura, os empresários e os trabalhadores, e com a outra, avisa que não é responsável pela execução de tais decisões, causando insegurança entre as partes envolvidas.

Em meio ao impasse, perde-se a oportunidade de elaborar um plano para o futuro, que modernize o serviço de transporte urbano, qualifique a relação com o cidadão e racionalize a execução dos trajetos dos veículos, viabilizando maior conforto e rapidez para seus usuários.

Mais do que isso, é imperativo pensar em longo prazo, na descentralização das áreas geradoras de mão de obra, na desconcentração dos empreendimentos habitacionais e na viabilização de uma sociedade menos dependente do antiquado modelo de mobilidade urbana, herdado dos trens a vapor do século XIX, na época da revolução industrial.

Se, pelo menos, houver um debate criativo e qualificado sobre o futuro dos transportes coletivos urbanos – até o momento nada indica que ele acontecerá – o sofrimento da população de Porto Alegre na semana que termina, no calor das filas e espremidas em vans superlotadas, não terá sido em vão.

25 janeiro 2014

ROLEZINHOS

A agitação provocada pela movimentação de adolescentes nos shoppings brasileiros expõe a ausência de uma identidade nacional, condicionada por séculos de separação de classes, gêneros, etnias e regionalidades.

Justificativas diversas procuram – às vezes sim, às vezes nem isso – encarnar o politicamente correto, ainda que defendam evidentes argumentos de proteção de confortos e privilégios.

Figurando entre as maiores economias do planeta, o Brasil convive com atrasos seculares em seu desenvolvimento, concentrando a riqueza, a terra, a educação de excelência, o bom atendimento hospitalar, as condições mínimas de saneamento e organização urbana nas mãos de uma pequena parcela privilegiada.

A simples suspeita de que o templo do consumismo possa ter sua tranquilidade de redoma assaltada pela convivência inusitada com sujeitos de uma maioria apartada das riquezas ostensivamente midiatizadas, amedronta.

Uma caminhada pelo shopping, um evento de promoção da popularidade de adolescentes e namoricos combinados pelas redes sociais, transformou-se em crise institucional.

Empresários e líderes locais recorreram ao governo federal, tentando estancar a livre circulação das pessoas em nome de seus lucros, da sua segurança, da manutenção da “paz social”.

Sortudos, aqueles que concentram vergonhosamente as maiores riquezas do país, por meios nem sempre lícitos ou morais, ainda não foram incomodados pela grande massa que sucumbe a espera nos hospitais, que se aperta nos ônibus e trens urbanos e que não logra êxito no segregado sistema educacional brasileiro.

O jeitinho brasileiro, que se confunde com a capacidade de sobreviver com humor a toda sorte de injustiças e desigualdades históricas brasileiras, é, por certo, um dos pilares frágeis que sustentam a nossa “paz social”.


Agir para transformar o país em um lugar digno para todos os seus habitantes, com proposições inovadoras, práticas sustentáveis e atitudes menos preconceituosas é o que garantirá, a longo prazo, uma paz fundada na justiça e prosperidade para todos.

A FORÇA DO POVO